4 de setembro de 2014

Não é guerra 'oficiais x praças'. É democracia, é exercício de cidadania!

Ricardo Montedo

 

 A postagem O general e a esposa do QE não cabem no mesmo 'santinho' tem gerado uma discussão interessante na área de comentários, sobre as diferenças entre oficiais e praças nas Forças Armadas, carreira, subordinação, discriminação, etc.

  Infelizmente, como já escrevi ao responder a um comentário, a visão da cúpula militar  em relação às praças - não hegemônica, mas  majoritária -  faz com que um guri recém saído de um NPOR seja mais valorizado que um subtenente com mais de vinte anos de serviço, no comportamento Excepcional e vasta experiência. Não conheço a realidade da Marinha e Aeronáutica, mas creio que não deva ser muito diferente do que acontece no Exército.
  Ao contrário do que parecem pensar alguns comentaristas, não pretendo estimular, muito menos incitar ‘guerra’ alguma. Estou entre aqueles que, mais do que torcer, têm certeza que as carreiras de oficiais e sargentos podem e devem ser harmônicas, aliás, como se espera tratando-se de militares profissionais. Tive a felicidade de viver uma experiência em minha carreira que fortaleceu essa convicção. Antes, entretanto, é necessário mudar a mentalidade arcaica que impera hoje, herança de lusitanos e franceses. Coisa para uma geração inteira. Porém, isso é assunto para outro momento. Voltemos ao ponto.
  O Coronel José Gobbo Ferreira diz, em seu comentário: Fui signatário daquele documento [o manifesto Alerta à Nação] e tenho certeza que nossos companheiros da ativa e as praças de uma maneira geral foram excluídos dele para preservá-los de qualquer consequência negativa, risco que estávamos correndo naquele instante. Não houve qualquer espírito de discriminação, com o qual jamais concordaria. Se, agindo ao arrepio da Lei o governo resolvesse por alguma retaliação, nós, oficiais não desejaríamos que nossos irmãos de armas na ativa, ou praças, fossem atingidos por elas.
  Bem, quanto à exclusão dos militares da ativa, concordamos, pois as adesões eram manifestamente ilegais e sua manutenção poderia, aí sim, gerar consequências jurídicas e disciplinares. Afinal, o norte ético para qualquer cidadão de bem deve ser a Lei de seu País.
  No que se refere à retirada do apoio das praças da reserva, o argumento serve apenas para comprovar o que afirmo. Senão, vejamos: pelo visto, o coronel crê, sinceramente, que homens maduros, profissionais militares - tanto quanto ele - precisam de tutores para decidir qual o risco que podem ou devem correr. De sua argumentação, deduzo que esses militares não teriam a necessária independência intelectual para decidir quais responsabilidades assumir. Constituiriam, assim, a classe dos inimputáveis fardados, a esperar que alguém decida por eles.
  O fato é que um general com mandato não irá abrir mão da maneira de pensar que o acompanhou durante uma vida toda. Essa mentalidade, positiva em muitos aspectos – diga-se - é altamente prejudicial quando se trata das demandas da família militar. A estrutura rigorosamente hierarquizada distancia cada vez mais o oficial em ascensão das necessidades reais da tropa, a qual ele um dia pertenceu.

Um exemplo
  A nefasta MP do Mal foi gestada com a anuência - para dizer o mínimo - do Alto Comando das Forças Armadas. Sem aviso ou regras de transição, de uma vez só foram por água abaixo Licença Especial, promoção ao posto acima na reserva, pensão para as filhas e anuênio (este, só foi extinto para as Forças Armadas). Milhares de militares perderam benefícios por um mês, uma semana ou mesmo um dia. Coincidência ou não, nenhum – soletro: n-e-n-h-u-m! - general ou coronel, na ativa em dezembro de 2000, teve qualquer direito prejudicado. Por quatorze anos, a malfadada MP - que está na origem da atual defasagem salarial dos militares - tem passeado por escaninhos e gavetas diversos, sem que nossos generais movam uma palha sequer para que ela seja votada.

Outro exemplo
  A justa e merecida promoção dos integrantes do Quadro Especial a segundo sargento poderia ter sido viabilizada administrativamente há muitos anos pelo Exército. Ao invés disso, só ocorreu depois que um punhado de bravos militares de Santa Maria teve a coragem de procurar um deputado federal e apresentar sua reivindicação. Foram tratados como insubordinados por praticarem um ato de cidadania plena, por exercerem um direito constitucional inalienável. ‘Deram a cara à tapa’ e seguiram em frente, desencadeando um movimento de apoio político que levou a questão para dentro do Congresso Nacional e deste para o Executivo. Confrontado com o fato prestes a ser consumado, o Comando do Exército não teve alternativa a não ser apresentar proposta regulamentando as promoções. Não há como negar que a ‘causa QE’ serviu de palanque para oportunistas de plantão, entretanto, não fosse a ação dos milicos gaúchos, nada teria acontecido.

Para encerrar

  A eleição de representantes que levem para a Câmara dos Deputados as demandas dos militares e suas famílias e não as da cúpula das Forças Armadas é altamente salutar e vem na esteira de um amadurecimento de relações, fruto de avanços numa área na qual os militares, via de regra, não transitam com desenvoltura: o exercício da cidadania, que lhes é de direito.

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