20 de julho de 2014

Exército enfrenta frio para abir estrada na serra catarinense

Obras de difícil execução servem de treinamento aos homens e colocam à prova máquinas e equipamentos do Exército Brasileiro
José Carlos Videira
São Joaquim (SC) - Em tempos de paz, o Exército Brasileiro exercita sua tropa de oficiais engenheiros com obras voltadas para a comunidade, por intermédio de convênios com o próprio governo federal e com governos estaduais. Construções de ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, pontes e viadutos podem ser executados por unidades das forças armadas espalhadas pelo Brasil, muitas vezes, em regiões longínquas e em terrenos de difícil acesso. Entre essas unidades está a do 10º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), sediado em Lages (SC), que possui uma longa folha de serviços prestados e obras realizadas na região Sul do País.
Um dos mais recentes e desafiadores trabalhos em execução pelo 10º BEC está o da construção e pavimentação da Rodovia SC-114, conhecida pelo nome de Rodovia Caminhos da Neve. A obra é feita por meio de convênio com o governo de Santa Catarina.
A estrada interligará os 29 km que separam a serra catarinense, a partir do município de São Joaquim, da serra gaúcha, na cidade de Bom Jesus, tornando-se uma ligação estratégica para o crescimento econômico e desenvolvimento turístico da região mais fria do Brasil.
O primeiro trecho foi iniciado em 2007 e concluído em 2010. A obra ficou paralisada em 2011, por ordem do governo de Santa Catarina, sendo retomada em agosto de 2012. Os trabalhos do Exército vão desde a terraplenagem, drenagem profunda e superficial, obras de arte (bueiros e galerias) até a pavimentação. Até agora, foram executados 11 km de terraplanagem e 8,26 km de pavimentação. O custo da obra até o momento gira em torno de R$ 14 milhões, na parte catarinense, incluindo o primeiro e o segundo convênio entre o governo de Santa Catarina e o Exército.
Missão dada
As baixas temperaturas constituem uma dificuldade peculiar para a construção da Rodovia Caminhos da Neve. Além da dificuldade climática, a região ainda impõe à tropa um enorme obstáculo geológico. O traçado da rodovia teve de romper grandes formações de rochas basálticas. Mas no jargão militar “missão dada é missão cumprida”.
Para o comandante do 10º BEC, coronel Otavio Fontoura Souto Maior, a dificuldade do terreno contribui para o “adestramento da tropa”. Ele conta que, não por acaso, todas as tentativas de licitação da obra da SC-114 junto à iniciativa privada não encontraram empresas interessadas. “Isso tem a ver com a complexidade da estrada”, resume o militar.
Para o comandante, a primeira dificuldade da SC-114 é de logística. “Estamos numa região de serra, longe dos grandes centros, e temos de trazer a maior parte dos materiais para a obra de fora da região”, afirma.
O militar pontua que o desgaste dos equipamentos em função do terreno da estrada também é mais severo do que se fosse num solo menos rochoso. “Nossos equipamentos sofrem desgaste muito grande”, ressalta o responsável pelo Destacamento de São Joaquim, capitão Felipe Ferreira de Oliveira. Ele comanda os 110 homens que atuam em campo na obra, baseados no destacamento, que é uma espécie de canteiro de obras da Caminhos da Neve, onde também ficam alocados os principais equipamentos e veículos (viaturas) que operam na construção da rodovia, que chegam ao número de 88.
Quebra de dentes de escavadeiras, desgaste prematuro de pneus de máquinas e caminhões, entre outras dificuldades, são rotina no dia a dia da construção da rodovia. Para se ter uma ideia do tamanho da dificuldade do terreno, somente nas últimas etapas da obra estavam previstos o desmonte com explosivos de 24 mil m³ de rocha que terão de ser escoados por cerca de 2.400 viagens de caminhão basculante, calcula o capitão Pablo Fadul Gonzales, chefe da Seção Técnica do 10º BEC.

Sob frio intenso
O inimigo natural exige toda a atenção e monitoramento constantes dos responsáveis pela obra da SC-114 Rodovia Caminhos da Neve. O frio intenso da região, cuja temperatura média no ano oscila entre 14°C e 15°C, e que cai abaixo de 0°C e chega a produzir neve no auge do inverno, atrai milhares de turistas para as cidades das serras catarinenses e gaúchas, mas acaba dando trabalho adicional aos soldados e engenheiros militares do 10º BEC. As precipitações pluviométricas também não ficam atrás. “Já houve situações em que choveu 85 mm num só dia”, lembra o capitão Ferreira.
Mas, para ele, o inverno restringe ainda mais as atividades de campo, mais até do que a chuva. “Os dias de inverno são mais curtos, portanto, temos menos luminosidade para trabalhar em campo, sem contar a baixa temperatura”, ressalta o comandante do Destacamento de São Joaquim. Ferreira conta que, em muitas situações de temperatura baixa, é necessário utilizar anticongelante nos fluidos das máquinas e caminhões; diesel especial com menos parafina para abastecer a frota, entre outras providências. “Se não tomarmos esses cuidados, a água das baterias congela, blocos de motor podem rachar e prejudicar ainda mais o andamento dos trabalhos”, destaca o capitão Ferreira.
Nos quatro meses mais frios do ano, os soldados que trabalham na obra de São Joaquim sabem muito bem que, a qualquer hora, podem ter mais restrições no seu cotidiano de trabalho. “Por isso, geralmente, escolhemos essa época para dar férias ao pessoal e para fazer manutenções em nossos equipamentos”, explica o comandante do destacamento.
Uma das operações que são mais sensíveis ao frio é a de lançamento de asfalto no leito da rodovia. “Para lançarmos o asfalto com a certeza de que estará eficiente, temos de fazê-lo a no mínimo 150°C”, avisa o comandante do 10º BEC. Segundo ele, essa operação não deve ser realizada com temperatura abaixo de 10°C.
Souto Maior diz que é possível até fazer o lançamento com temperatura inferior. “Porém, a compactação não vai atingir o grau desejado, e a vida útil do pavimento cairá bastante”, adverte o militar. Ele enfatiza ainda que o Exército prima pela qualidade de suas obras. Também esclarece que os serviços contratados pelo governo de Santa Catarina ainda passam pela fiscalização do dono da obra. Ele diz que o governo catarinense mantém uma empresa contratada para fazer medições e avaliação da qualidade do serviço prestado pelo Exército.
O 10º BEC produz brita e massa asfáltica para serem usados na construção da rodovia. O restante do material é comprado por intermédio de processos licitatórios.

Coração da obra
A usina de asfalto está localizada a cerca de 6 km da obra, local onde existe uma pedreira, explorada pelo Exército, e o britador. “Esse é o coração da obra”, classifica o capitão Fadul. “É de lá que sai desde a base e o macadame até o concreto asfáltico usinado a quente, o popular asfalto”, ressalta o chefe da Seção Técnica do 10º BEC.
A usina tem capacidade de produção de 50 t por hora de massa asfáltica. A planta de britagem é capaz de produzir até 400 m³ de brita, entre rachão, brita 1/1, pedrisco e pó de pedra. Segundo os oficiais, o consumo médio diário de brita na obra é de 100 m³.
Embora os serviços prestados em campo funcionem como um programa de treinamento para a tropa, alguns trabalhos, no entanto, o Exército subcontrata da iniciativa privada, por meio de licitação. Quatro empresas licitadas aguardam a Ordem de Serviço e o projeto final para a construção de abrigos de paradas de ônibus, defensas metálicas, sinalizações vertical e horizontal, plantio de gramas etc. para a Caminhos da Neve. “Esse tipo de trabalho não faz muito sentido para o objetivo estratégico da operação”, destacam os militares. Mas são gerenciados dentro do convênio, e o Exército vai buscar os fornecedores por meio de licitação.
Com a modalidade de pregão eletrônico, o militar explica que nem sempre o vencedor da licitação é da região. “Às vezes, temos um fornecedor de areia, por exemplo, que está no Nordeste e oferece o preço mais baixo”, lembra o coronel. Segundo ele, essas empresas acabam comprando o produto de fornecedores locais da própria região. “Queremos evitar essa intermediação”, diz.


Batalhões de Engenharia de Construção formam jovens em diversas especialidades
Empresas locais
Para incentivar e desenvolver as empresas locais a fornecer para suas obras na região, o 10º BEC realiza um trabalho de esclarecimento junto à comunidade empresarial da região. “Para nós, é muito mais prático trabalhar com fornecedores que estão mais próximos, para podermos olhar no olho de quem estamos contratando”, frisa o coronel Souto Maior.
Por essa razão, palestras feitas pelos militares do 10° BEC em associações comerciais e industriais da região esclarecem os pontos principais para uma empresa ser fornecedora do governo e estar habilitada a participar das concorrências. “É de nosso interesse e ainda é importante para o desenvolvimento das empresas da região”, afirma o coronel.

Batalhão histórico
O 10º Batalhão de Engenharia de Construção (10º BEC) do Exército Brasileiro, com sede em Lages, no planalto da serra catarinense, tem uma história que remonta há quase 160 anos. A unidade é oriunda do 1º Batalhão Ferroviário – unidade de Engenharia de Construção com origem nos tempos da Corte Portuguesa que criou, em 1855, o Batalhão de Engenheiros.
A primeira sede do 1º Batalhão Ferroviário foi na cidade gaúcha de Cachoeira do Sul, em 1889. Desde então, passou por diversas localidades, até se instalar em Lages, sua 14ª sede, em março de 1971, onde se encontra até hoje. Em 1999, o 1º Batalhão Ferroviário teve sua denominação alterada para 10º BEC.

Serviços prestados pelo 10º BEC
Na folha de serviços prestados pelo 10º Batalhão de Engenharia de Construção (antigo 1º Batalhão Ferroviário) estão acumulados milhares de km de obras pela região Sul do Brasil, sobretudo ferrovias. “Todo o tronco sul ferroviário e todas as obras de arte da rodovia BR-282, que liga Florianópolis à divisa com a Argentina, e que passa por Lages, foram feitos pelo 10º BEC”, lembra o comandante Souto Maior.
Entre as construções da unidade militar de Engenharia estão algumas obras marcantes. Concluído em outubro de 1964, o túnel nº 21 (atual 72) possui 2.832 m e, segundo o Exército, é o maior do Brasil e o segundo maior da América do Sul, em Violanda (RS). Outra obra de arte ferroviária que impressiona é o Viaduto do Exército, na ferrovia Passo Fundo – Roca Sales, no Rio Grande do Sul, com 509 m de extensão e 143 m de altura.
Na BR-282, entre Florianópolis e Lages, o 10º BEC ficou responsável por seis pontes e um viaduto. Somados, perfazem mais de 600 m de extensão.

Volume de serviços executados
Obras de Artes Especiais
Pontes e viadutos (ferroviários e rodoviários): 16,34 km; Túneis ferroviários: 36,4 km

Ferrovias
Infraestrutura: 1.448 km; Super estrutura: 2.002 km; Restauração: 888,8 km; Conservação: 228,8 km;

Rodovias
Implantação: 112 km; Pavimentação: 140 km; Conservação: 342 km; Estradas vicinais: 57 km; 

Obras Diversas
Aeroportos e pistas de pouso: 15; Residências: 4.982; Recuperação de postos de pesagem: 3; Recuperação de aeroportos: 2; Pavimentação estradas internas: 25,7 mil m².

Mão de obra disputada
O crescimento do mercado de construção civil no Brasil, nos últimos anos, tem provocado o aquecimento da demanda por profissionais qualificados da área em todos os níveis. Carente de mão obra com experiência, o mercado disputa pessoal para preencher suas vagas em obras de toda a natureza. Os Batalhões de Construção do Exército não ficam de fora dessa disputa.
“Temos perdido gente para a iniciativa privada”, afirma Souto Maior. Segundo ele, militares do batalhão têm sido assediados para trabalhar na área civil. “Um profissional bem treinado e experiente na operação de equipamentos que podem chegar à casa de um milhão de reais é muito valorizado pelo mercado”, ressalta o coronel.

Especialistas
O coronel Souto Maior diz que o Exército recebe o jovem que vai prestar o serviço militar sem nenhuma capacitação e o devolve à sociedade com uma especialização profissional. Segundo ele, são três aspectos importantes da participação do Exército nas obras de cooperação. “O primeiro é o próprio adestramento da tropa; segundo, a capacitação de mão de obra e a contribuição para o desenvolvimento regional.”
O Exército forma na teoria e na prática um leque muito grande de especialistas em várias áreas. De acordo com os capitães Ferreira e Fadul, saem do batalhão desde pedreiros, carpinteiros, bombeiros hidráulicos, eletricistas prediais, almoxarifes etc. até pessoal para a área técnica, como laboratoristas e topógrafos.
Também muito valorizados pelo mercado, o Exército forma operadores de carregadeiras, escavadeiras, motoniveladoras, retroescavadeiras, tratores, rolos, além de motoristas de várias categorias, incluindo até de cargas perigosas; além de mecânicos de equipamentos, eletricistas de veículos etc.
Nem só militares com formação técnica nas áreas básicas são assediados. O mercado também vai atrás de oficiais engenheiros. “Formados no Instituto Militar de Engenharia, com experiência em obras bem técnicas e complexas, também são muito valorizados”, frisa o coronel.
O EMPREITEIRO/montedo.com

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